No passado dia 31 de Março, fui até à Academia de Capoeira de Lisboa para dinamizar uma masterclass sobre consciência espacial e planos de movimento. Fui recebida com energia boa, muita curiosidade e aquela abertura típica de quem vive o jogo com o corpo inteiro.
A capoeira é uma expressão cultural afro-brasileira que mistura arte marcial, dança, música e jogo. Não é só uma prática física — é um diálogo em movimento, onde dois corpos se encontram num jogo de ataque e defesa, improvisação e escuta. Mais do que uma técnica, é uma forma de estar, aprender e relacionar-se com o outro e com o espaço.
A capoeira é uma expressão cultural afro-brasileira que mistura arte marcial, dança, música e jogo. Não é só uma prática física — é um diálogo em movimento, onde dois corpos se encontram num jogo de ataque e defesa, improvisação e escuta. Mais do que uma técnica, é uma forma de estar, aprender e relacionar-se com o outro e com o espaço.


"Ok, mas o que são planos de movimento?"
A proposta era simples: ajudar os participantes a expandirem a percepção do seu jogo através da exploração dos três planos de movimento — sagital, frontal e transversal. Em vez de falar de técnica, quis trazer um "óculos novos" para olhar para o jogo: por onde me desloco? Que direcção uso mais? Como posso variar sem perder a essência?
Começámos com uma pergunta provocatória (e com alguma dose de autoironia): "Quem sente que, na roda, acaba por repetir sempre os mesmos movimentos?" Risos nervosos, alguns acenos de cabeça. A partir daí, foi abrir espaço para descobrir — mas não foi imediato. No início, os exercícios propostos causaram alguma resistência. Nem sempre é fácil quebrar padrões: o corpo tende a voltar ao que já conhece bem.



Limites que libertam
Foi precisamente esse o ponto que quis explorar. Muitas vezes, é a demasiada liberdade que nos bloqueia. A ausência de limites pode parecer libertadora, mas no movimento (e no jogo) pode tornar-se paralisante. A minha intenção foi introduzir um tipo de estrutura que convida à criação: um conjunto de "limitações funcionais" que actuam como pistas para explorar — o chamado constraint-led approach. Neste caso, os três planos de movimento funcionaram como uma grelha simples para orientar a atenção, a variação e a criatividade.
Uma coisa que observo com frequência — e que também aconteceu nesta masterclass — é que mesmo praticantes que já dominam uma boa variedade de movimentos acabam por se perder no básico. A dificuldade não está em executar, mas em fluir. O corpo sabe fazer muita coisa, mas quando chega a hora de improvisar, de jogar com leveza e intenção, entra em curto-circuito. Muitas vezes, ficamos presos à ginga, aos mesmos deslocamentos, às mesmas entradas. Não por falta de capacidade, mas porque o excesso de opções, sem estrutura, bloqueia a fluidez. E não é por falta de capacidade técnica, mas porque o corpo habitua-se a certos padrões, repetições e atalhos de eficácia.
Essa dificuldade é ainda mais evidente quando não há um objectivo concreto ou quando se pede para "improvisar" sem qualquer orientação. É por isso que estruturas simples — como os planos de movimento — podem ser tão eficazes: não limitam a criatividade, apenas a direccionam. E muitas vezes é esse foco que desbloqueia a experimentação.
Uma coisa que observo com frequência — e que também aconteceu nesta masterclass — é que mesmo praticantes que já dominam uma boa variedade de movimentos acabam por se perder no básico. A dificuldade não está em executar, mas em fluir. O corpo sabe fazer muita coisa, mas quando chega a hora de improvisar, de jogar com leveza e intenção, entra em curto-circuito. Muitas vezes, ficamos presos à ginga, aos mesmos deslocamentos, às mesmas entradas. Não por falta de capacidade, mas porque o excesso de opções, sem estrutura, bloqueia a fluidez. E não é por falta de capacidade técnica, mas porque o corpo habitua-se a certos padrões, repetições e atalhos de eficácia.
Essa dificuldade é ainda mais evidente quando não há um objectivo concreto ou quando se pede para "improvisar" sem qualquer orientação. É por isso que estruturas simples — como os planos de movimento — podem ser tão eficazes: não limitam a criatividade, apenas a direccionam. E muitas vezes é esse foco que desbloqueia a experimentação.

Primeiro estranho, depois entranha
Durante a aula, fui lançando perguntas, propondo variações, observando os bloqueios e procurando pequenas portas de entrada. No início, havia hesitação — os corpos testavam, avaliavam, travavam. Mas pouco a pouco, à medida que as tarefas se tornavam mais familiares e os planos de movimento começavam a fazer sentido, o ambiente transformou-se. A sala ganhou outro ritmo — não mais de execução, mas de descoberta. O espaço da sala foi-se enchendo de novas possibilidades. Começou a surgir uma leveza diferente: não a leveza da descontração vazia, mas aquela que aparece quando o corpo começa a confiar no processo.



"Comecei a ver o jogo de forma diferente."
"Nunca tinha pensado no movimento assim, com planos. Dá estrutura sem tirar a liberdade."
"É bom ter esse tipo de framework — ajuda a perceber o que estou a fazer e onde posso ir."
"Consegui sair do automático e criar umas coisas novas que nunca me tinham saído antes."
A pergunta constante “em que direcção te estás a mover?” — funcionou como gatilho para sair do automático. Não se tratava de ensinar algo novo, mas de mudar o ponto de vista.
Para os iniciantes, a estrutura ajudou a organizar o corpo e a dar algum norte dentro da imensidão de possibilidades. Em vez de se perderem na tentativa de fazer tudo, puderam focar-se em direcções claras e construir sequências simples. Já os praticantes experientes redescobriram nuances nos seus próprios padrões, ganharam novas formas de pensar o jogo e encontraram espaço para explorar com intenção.
Para os iniciantes, a estrutura ajudou a organizar o corpo e a dar algum norte dentro da imensidão de possibilidades. Em vez de se perderem na tentativa de fazer tudo, puderam focar-se em direcções claras e construir sequências simples. Já os praticantes experientes redescobriram nuances nos seus próprios padrões, ganharam novas formas de pensar o jogo e encontraram espaço para explorar com intenção.



E talvez o momento mais marcante tenha sido aquele círculo no final — todos reunidos no espaço, a partilhar o que sentiram. Eu ali no meio, a ouvir com atenção, e alguém diz: "Isto fez-me repensar completamente a forma como me movimento na roda." Não foi um comentário técnico, foi uma revelação pessoal. São esses instantes — entre a descoberta e o sorriso cúmplice — que dão sentido a tudo.
