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Deixa de exercitar, move-te | Aia Boldovskaia

Práticas tradicionais, corpos de hoje

Entre os dias 30 de maio e 1 de junho, participei num evento de Capoeira, com o Mestre Dirceu e o grupo Capoeira Angola Oslo. Não fui como professora nem como investigadora — fui como alguém com vontade de mexer o corpo e aprender.
A capoeira tem algo que me toca profundamente: a integração orgânica entre movimento, música, ritmo, e dialogo. O jogo acontece com o corpo todo, mas também com o som, com o tempo, com o outro. Capoeira, e em particular a Capoeira Angola, é uma prática enraizada na cultura afro-brasileira, uma expressão viva de resistência, marcada pela luta contra a opressão.

Se entendermos a literacia física como a capacidade de perceber, interpretar e responder ao ambiente com movimento intencional e expressivo, então práticas como a capoeira — mas também tantas danças, artes marciais e jogos tradicionais espalhados pelo mundo — são expressões vivas dessa capacidade, moldadas por contextos culturais únicos.

Será que estas práticas tradicionais oferecem um valor adicional para a construção da literacia física?

Tenho razões para acreditar que que sim. Há nelas algo que vai além da repetição de gestos técnicos ou da busca pelo performance. O movimento, aqui, é também linguagem, narrativa, identidade. A promoção de competências cognitivas, afetivas e sociais emergem da própria prática, estão embutidas nos seus rituais, formas e intenções. Estas práticas corporais carregam formas de conhecimento que antecedem não só o digital, mas também a escrita. Não são necessariamente mais ou menos eficazes do que os métodos modernos, mas revelam outra lógica de aprendizagem — uma lógica relacional, situada, enraizada no corpo e no grupo.

Por que é tão comum vermos pessoas praticarem expressões corporais com raízes em contextos radicalmente diferentes do seu?

O que leva alguém na Noruega contemporânea a mover-se segundo uma prática nascida no Brasil escravizado?

Talvez seja a procura de significado, de corpo coletivo, de algo mais do que técnica. Talvez estas práticas tragam uma densidade histórica e afetiva que falta nos contextos modernos. Ou talvez revelem um desejo humano de reencontro com o corpo como linguagem, e não apenas como máquina.

Mas então, como garantir que estas práticas, que vêm de tradições profundas e experiências humanas disruptivas, se mantenham vivas… e ao mesmo tempo acessíveis, abertas ao presente?

Fico sempre desconfortável quando ouço alguém dizer, com orgulho, que está apenas a transmitir o que o seu pai/professor/mestre lhe ensinou. Como se preservar fosse um fim em si mesmo. Como se o valor estivesse apenas em manter intacto. Não é assim que o conhecimento funciona. Nada é ensinado hoje exatamente como era há 30, 100 ou 2000 anos. E ainda bem.

O conceito de “aquecimento”, por exemplo, é um produto da modernidade. A perceção de que crianças não são adultos em miniatura, e de que exigem abordagens pedagógicas próprias, também. A participação plena das mulheres, a possibilidade de registar e rever o próprio desempenho, ou de aprender com alguém do outro lado do mundo através de um ecrã… tudo isso é recente. O que hoje nos parece natural, há pouco tempo era impensável.
Preservar, portanto, não é congelar, não é fossilizar. É encontrar formas de manter uma prática relevante e significativa para os corpos e contextos de hoje. E isso implica interrogar os métodos, adaptar os processos, abrir espaço para mais pessoas, mais histórias, mais possibilidades.

Nenhuma modalidade está imune ao risco da exclusão. E quando esse risco se concretiza em práticas que nasceram precisamente como formas de resistência e libertação… é irónico.

Se o corpo é o nosso primeiro território, então aquilo que podemos — ou não podemos — fazer com ele, aprender através dele, expressar com ele, é sempre uma questão política.
Perspetivas