Deixa de exercitar, move-te | Aia Boldovskaia

O personal trainer do futuro

A profissão de personal trainer está a mudar. Muito em breve, ferramentas de AI, combinadas com wearables avançados, serão capazes de prescrever treinos altamente otimizados com base em dados em tempo real. A tecnologia poderá sugerir ajustes imediatos conforme a recuperação, o sono e o nível de stress do utilizador. Isso significa que o papel do treinador como simples "prescritor de exercício" está com os dias contados.

Se a única função de um personal trainer for contar repetições, definir cargas e ajustar máquinas, então é apenas uma questão de tempo até que essa parte da profissão se torne obsoleta. Mas há algo que as máquinas (ainda) não conseguem fazer: compreender o ser humano para além dos dados. Os personal trainers do futuro não serão apenas programadores de treino, mas mentores do movimento, guias da literacia física e facilitadores de mudanças comportamentais duradouras.

Um estudo recente sobre personal trainers de elite na Sérvia revelou esta mudança fundamental no setor. Os profissionais mais eficazes não se limitam ao treino físico, mas integram literacia física, conexão social e um entendimento mais profundo do corportamento humano nas suas práticas. Esta abordagem não só melhora os resultados dos clientes, como também aumenta a sua adesão ao treino a longo prazo.

Literacia física no treino personalizado

O conceito de literacia física vai além do desempenho físico e abrange a confiança, a competência, a motivação e outras habilidades necessárias para se mover ao longo da vida. Em vez de simplesmente ensinar exercícios, os treinadores que adotam esta abordagem ajudam os clientes a entender o seu próprio corpo e desenvolver autonomia no movimento.

Ao invés de criar dependência em planos de treino estruturados, um treinador que promove a literacia física capacita os clientes a explorar diferentes formas de atividade física, dentro e fora do ginásio. Isto não só torna o treino mais interessante, como também aumenta as probabilidades de o movimento se tornar um hábito para a vida.

A motivação extrínseca—como querer perder peso rapidamente para um evento—pode ser um ponto de partida, mas os melhores treinadores sabem que a motivação intrínseca é a chave para a continuidade. Isto significa ajudar os clientes a descobrir o prazer do movimento, a valorizarem o bem-estar e a criarem objetivos pessoais que vão além da estética ou da performance.

A personalização da abordagem é essencial. Alguns clientes prosperam com desafios competitivos, enquanto outros precisam de um ambiente mais lúdico e exploratório. O papel do treinador não é apenas ensinar, mas também ouvir, adaptar e encontrar estratégias que fazem sentido para cada pessoa.

O poder da comunidade

Outro ponto-chave é o papel da conexão social no sucesso do treino. O treino não é apenas uma atividade física—é uma experiência social. Um treinador eficaz constrói relações de confiança, cria um ambiente seguro e encorajador e, quando possível, fomenta a criação de redes de apoio entre clientes.

Quando as pessoas sentem que fazem parte de uma comunidade, a motivação para continuar a treinar aumenta. O apoio mútuo, a partilha de experiências e a sensação de pertença fazem com que o exercício deixe de ser uma obrigação e passe a ser uma parte natural da rotina. Treinadores que conseguem criar este tipo de ambiente não só retêm mais clientes, como também contribuem para um impacto positivo na saúde pública.

O que diferencia um treinador comum de um treinador de excelência é a capacidade de criar esse espaço de acolhimento e evolução. No futuro, este aspeto será ainda mais essencial. Se a tecnologia facilitar a personalização do treino, a interação humana e o sentido de pertença serão os verdadeiros fatores que manterão os clientes ativos e envolvidos.

A formação dos personal trainers

Se o futuro dos treinadores pessoais passa por um papel mais holístico, então a questão que se impõe é: as formações atuais estão a preparar os profissionais para este desafio?

Atualmente, cursos profissionais de personal training e até os cursos superiores de ciências de desporto ainda se concentram em prescrição de exercício, biomecânica e fisiologia, mas deixam de lado aspetos essenciais como mudança de comportamento, literacia física e desenvolvimento de relações interpessoais.

O que os dados mostram é que os melhores treinadores de hoje não são apenas especialistas técnicos, mas também comunicadores eficazes, capazes de criar um ambiente que incentiva o movimento a longo prazo. Isso significa que a formação dos profissionais precisa de evoluir, incorporando componentes como:

  • Educação para a mudança comportamental – compreender como as pessoas adotam novos hábitos e o que realmente as faz aderir à atividade física.
  • Construção de autonomia no movimento – em vez de criar dependência de um plano de treino rígido, ensinar os clientes a desenvolver confiança nas suas capacidades físicas.
  • Habilidades interpessoais – saber ouvir, adaptar estratégias e criar um ambiente motivador e inclusivo.

Sem uma formação mais ampla, o risco é que os profissionais fiquem presos a um modelo ultrapassado, tornando-se cada vez mais irrelevantes face à automação e à inteligência artificial.

O teu treinador está preparado para o futuro?

Com todas estas mudanças na profissão, como podes saber se o teu treinador está realmente apto para te ajudar? Aqui estão alguns pontos a considerar:

  • Ensina-te ou apenas diz-te o que fazer? Um bom treinador não só passa exercícios, mas explica o porquê de cada escolha e a lógica por trás da abordagem utilizada.
  • Foca-se apenas nos resultados estéticos ou preocupa-se com a tua relação com o movimento? O melhor profissional ajuda-te a criar hábitos sustentáveis e não apenas a perseguir um número na balança.
  • Adapta o treino à tua realidade ou aplica sempre a mesma abordagem? O plano deve refletir as tuas necessidades, gostos e limitações.
  • Demonstra interesse genuíno pelo teu progresso? A relação treinador-cliente é baseada em comunicação e ajuste contínuo, não numa abordagem padronizada.

Se o teu treinador não te ensina, não te escuta e não te ajuda a ganhar autonomia, talvez seja hora de repensar essa escolha.
Fonte: Curovic; I., Grecic, D. (2025).High-level personal trainer perspective for industry practice and development in Serbia: a qualitative descriptive study. Front. Sports Act. Living, 7. https://doi.org/10.3389/fspor.2025.1549979
2025-03-18 11:03 Sociedade